Sainte Foy de Conques

in Pilmigrage

EN: In this space, we intend to show some of the most exciting places we had the opportunity to visit and photograph along the camiño to Saint James.

PT: Neste espaço pretendemos mostrar alguns dos lugares mais interessantes que tivemos oportunidade de visitar e fotografar ao longo do camiño para Santiago de Compostela.

Lighting of the tympanum of the Abbatial Church of Sainte Foy, Conques.

Sound and video recorded live (extract), 2018

Briefly the English version

Thank you for taking the time to see my work!

PT: Dos quatro caminhos de Santiago que atravessam os Pirenéus em território francês, três fazem-no, como sabemos, em Saint Jean Pied de Port, e o de Arles em Col du Somport. A abadia de Sainte-Foy de Conques encontra-se no caminho de Le Puy, tal como a de Moissac, que tivemos oportunidade de examinar no post inserido em 28.12.2013.

Embora não seja seguro, julga-se que a abadia de Conques foi fundada no início do século IX, numa colina do Vallée du Lot, e terá sido em 866 que o monge Ariviscus trouxe para este lugar ainda hoje isolado (figs. 1-3), de um mosteiro de Agen, as relíquias de sainte Foy, o que foi determinante para atrair peregrinos. O facto de se encontrar no caminho de Santiago terá igualmente contribuído para a difusão do culto de Santa Fé na Península Ibérica. A lenda do martírio de sainte Foy remonta ao ano de 303 e relata que uma jovem de treze anos natural de Agen se recusou firmemente a abandonar a fé cristã perante os Romanos que ocuparam a cidade. Por ordem do governador romano, foi deitada numa grelha colocada sobre o fogo e, quando uma violenta trovoada apagou as chamas, foi decapitada. Sainte Foy tornou-se padroeira da fé dos mais jovens e é também evocada pelos casais que desejam ter um filho. 

Desde meados do século X a abadia de Sainte-Foy de Conques (figs. 4 e 5) era já um espaço sagrado próspero e os tesouros que reuniu ao longo dos séculos, e se preservaram, designadamente objectos de arte sacra realizados em ouro, como a célebre imagem-relicário de sainte Foy, coberta de ouro e cravejada de pedras preciosas, estão actualmente expostos ao público no chamado Trésor de Sainte-Foy, uma colecção valiosíssima, que reúne peças do século IX ao século XIX. Nas suas proximidades, o Musée Joseph Fau acolhe o espólio proveniente da antiga abadia, como os capitéis do claustro românico do século XII (do qual hoje apenas se preservam duas secções), esculturas e uma colecção importante de tapeçarias realizadas em Felletin, designadamente uma armação sobre a vida de Maria Madalena tecida no século XVII.

A igreja da abadia de Conques e o Pont des Pèlerins foram inscritos na lista do Património Mundial da UNESCO enquanto lugares de passagem dos peregrinos de Santiago de Compostela. De facto, não obstante a beleza e a riqueza dos tesouros acima referidos, é o edifício actual, cuja construção se situa entre 1041 e 1050, substituindo uma antiga igreja dedicada a Saint Sauveur, que continua a atrair diariamente visitantes, que se demoram em particular na contemplação do tímpano da fachada ocidental (fig. 6)

Com a sobriedade geral do edifício contrasta a riqueza decorativa deste tímpano, do início do século XII, considerado um dos exemplos mais magníficos de decoração escultórica medieval, que preserva ainda vestígios da policromia original, reforçando o impacto da mensagem aos fiéis gravada na pedra. Composto por 124 figuras, que se dispõem em três níveis, delimitados por legendas, constitui uma das ilustrações mais admiráveis da Queda, da Ressurreição e do Juízo Final (fig. 7). Cristo em Majestade ocupa o centro (fig. 8), abençoando os eleitos, que se encontram à sua direita – entre as quais figuram a Virgem Maria, seguida de São Pedro (fig. 09), e sainte Foy, prostrada perante a mão de Deus, que sai das nuvens (fig. 10) –, e rejeitando os condenados, dispostos à sua esquerda, mas afastados por um painel decorado com quatro anjos (fig. 11): em cima, um apresenta o livro da vida; outro, em baixo, segura um turíbulo. No registo inferior, aos pés de Cristo, vemos o arcanjo São Miguel a pesar as almas, enfrentando um demónio que o tenta enganar, e assinala-se de forma clara a divisão entre o Paraíso e o Inferno (fig. 12), à porta do qual se encontra a enorme boca de Leviatã (ser híbrido, meio crocodilo, meio serpente, já referido no Antigo Testamento, (fig. 13), surgindo em evidência, do lado esquerdo (de Cristo), a figura do Demónio de olhos ávidos a assistir aos tormentos dos condenados (fig. 14). No registo superior distingue-se a imagem da cruz sobre a cabeça de Cristo, símbolo da Paixão e da Ressurreição, rodeada de anjos (fig. 15). As imagens de catorze “anjos curiosos” (le curieux) esculpidos na arquivolta, que assistem ao Julgamento e espreitam discretamente por cima de um longo rolo de papiro, completam este excepcional conjunto decorativo (fig. 16). O esquema iconográfico deste tímpano é característico dos tímpanos edificados no século XII que se centram no tema do Juízo Final, que também teremos oportunidade de comentar num outro post sobre Saint Lazare de Autun. 

A característica arquitectónica mais evidente da igreja de Conques é a sua elevação, graças aos 22 m de altura da nave principal, coberta por abóbadas de berço (figs. 17 e 18). À dimensão do transepto (figs. 19), que se deve ao facto de a igreja estar destinada a acolher muitos peregrinos, acrescenta-se a imponente e elevada cúpula (figs. 20 a 23) que cobre o cruzeiro (espaço de intersecção da nave central com o transepto). Xavier Barral i Altet (Conques, Éditions Jean-Paul Gisserot, pp. 8-9) observa que a igreja de Conques (vide planta na fig. 24) se integra num modelo de edifício românico que se desenvolveu na Idade Média na Europa meridional, sobre as rotas de peregrinação para Santiago de Compostela, e inspirou igualmente as igrejas de Saint-Martin de Tours, Saint-Martial de Limoges, Saint-Sernin de Toulouse e a catedral de Santiago de Compostela. Trata-se de um tipo de construção preparado para a circulação de um grande número de peregrinos, cuja planta apresenta várias naves, com tribunas e várias capelas radiantes. Em Conques, as naves são três: uma central e duas laterais (figs. 25 e 26), estas últimas prolongadas por um deambulatório (fig. 27), que permitem a circulação dos fiéis desde a entrada na igreja até à sua saída, sem perturbar os que na nave central assistem ao serviço religioso que decorre no altar (figs. 28 e 29). São estes elementos arquitectónicos – as naves laterais com deambulatório – que definem as chamadas igrejas tipo de peregrinação. A elevação do edifício, que se verifica em Conques, integra-se também neste modelo, onde normalmente a nave principal é coberta por abóbadas de berço e as naves laterais por abóbadas de aresta (fig. 30). Em Conques, as naves laterais, que comunicam com a nave principal através de arcadas, sustentam tribunas altas (fig. 31), cuja função exacta se desconhece, nas quais se abrem janelas que permitem a entrada de luminosidade.

A sobriedade geral do exterior da igreja reflecte-se no seu interior, onde a decoração se apoia em especial na ornamentação esculpida dos capitéis, na presença de algumas esculturas – como a imagem de sainte Foy da capela central do deambulatório (fig. 32) e os anjos da cúpula (figs. 33 e 34: São Miguel e São Gabriel) –, e nos frescos da sacristia, datados do século XV, que relatam o martírio de sainte Foy (figs. 35 e 36).

Na decoração dos capitéis regista-se o predomínio de ornamentação vegetalista derivada do capitel coríntio (folhas lisas fendidas, caules que culminam em volutas, palmetas, fig. 37), sobretudo na nave principal (onde vemos o capitel com uma luta entre dois cavaleiros, junto de um “atlante”, fig. 38), enquanto os capitéis historiados, em menor número, encontram-se especialmente nas capelas do transepto, no cruzeiro e no deambulatório (fig. 39). A ornamentação vegetalista surge por vezes combinada com a representação de rostos humanos ou semi-humanos (figs. 40 e 41), animais (fig. 42), anjos ou seres fantásticos (fig. 43). Entre as cenas esculpidas distinguem-se, por exemplo, a condenação de sainte Foy, o sacrifício de Abraão (figs. 44 e 45); a última ceia (fig. 46): Cristo oferece aos seus Apóstolos o cálice do seu sangue (São Pedro encontra-se à sua direita, São Paulo à esquerda); episódios da vida de São Pedro, em três capitéis do braço sul do transepto, considerados dos mais antigos: Cristo, acompanhado por um anjo, aparece a São Pedro; à direita do apóstolo, o imperador Nero (fig. 47); a crucificação do apóstolo, de cabeça para baixo (fig. 48)

No exterior da igreja, no lado sul, encontra-se o túmulo do abade Bégon (1807-1107), e o epitáfio recorda que se deveu a ele a edificação do claustro, hoje bastante destruído, mas no qual podemos ainda apreciar os capitéis esculpidos (figs. 49 e 50). O grupo escultórico que o ornamenta é composto por três figuras – o Cristo, o abade e sainte Foy – cada uma acompanhada por um anjo.

Os vitrais da abadia (figs. 5 e 6), caracterizados por bandas monocromáticas de tom claro, o que lhe confere grande sobriedade, são uma obra contemporânea, realizada em 1994 pelo pintor Pierre Soulages a pedido do Ministério da Cultura francês.

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